ENTREVISTA 17 Os últimos anos têm sido particularmente desafiantes para a indústria de moldes portuguesa. Como avalia a situação atual do setor e que fatores contribuíram para tal? Os problemas no setor começaram em 2018, com o ‘diesel gate’ nos Estados Unidos, que afetou os grandes construtores de automóveis, já que todos eles andavam a omitir a quantidade de CO2 que os seus carros emitiam para a atmosfera. Neste contexto, houve um senhor chamado Elon Musk, um verdadeiro génio, que se aproveitou da situação e decidiu aumentar a capacidade de produção de carros elétricos. Perante isto, as grandes OEMs começaram a questionar-se sobre qual seria, de facto, o tipo de veículo (a diesel, a gasolina, híbrido ou elétrico) que mais se ajustaria às necessidades reais do mercado, tendo em conta não só as exigências de redução de emissões de CO2, mas também a sua própria competitividade. A estratégia escolhida acabou por ser a de intensificar o fabrico de carros elétricos, o que, por si só, já foi uma má notícia para o setor dos moldes, porque estes veículos têm muito menos peças de plástico que os tradicionais. Mas, além disso, foi uma decisão tomada sem que se resolvesse antes a questão das infraestruturas de carregamento. Em consequência, as limitações de percurso levaram a uma retração no mercado, principalmente nos países de maior dimensão. Entretanto, veio a pandemia, que como sabemos permitiu à China aumentar ainda mais o seu poder económico. Resultado: existem, neste momento, marcas de automóveis elétricos chinesas que não existiam há dez anos e que, com o pouco tempo de vida que têm, já lançaram seis, sete, oito modelos diferentes. E com uma qualidade que, em alguns casos, não é inferior à dos carros europeus, com uma vantagem: o preço. Ou seja, neste momento temos dois problemas: por um lado, a enorme capacidade de produção de elétricos na China, com preços muito, muito atrativos e com uma tecnologia não inferior à europeia, e, por outro, a falta de competitividade dos fabricantes europeus. Ora, para onde for um carro chinês não vai um carro europeu. Isto vai trazer, com certeza, muitos desafios e dificuldades a todas as empresas que fazem parte deste ecossistema. Infelizmente, esta é e será a realidade. Uma conjuntura para a qual as empresas que usaram as verbas do Portugal 2020 para modernizar as suas fábricas não estavam preparadas… Na altura em que o Portugal 2020 foi lançado nós estávamos a crescer a dois dígitos. Todos os estudos indicavam que os anos seguintes trariam um aumento das vendas, do emprego, de solvabilidade financeira. Tudo apontava para haver cada vez mais atividade e, portanto, as empresas portuguesas fizeram o que deviam fazer para não perder competitividade e aumentar a eficiência de modo a aproveitar o negócio que estava a crescer. Acontece que muitas delas investiram a contar com os prémios de realização. Prémios esses que, devido à alteração repentina da conjuntura, não conseguiram alcançar, o que faz com que algumas estejam a passar por situações delicadas. Na sua opinião, há medidas a tomar a nível governamental para ajudar as empresas do setor a ultrapassar esta fase? Há vários anos, e com maior intensidade desde 2020, que andamos a falar com os sucessivos governos para que sejam tomadas medidas de apoio ao setor. Uma delas já não é nova e teria um impacto muito significativo na saúde financeira das empresas, que é a criação de uma linha de financiamento suportada por instrumentos de proteção de Estado, para apoio à concretização de encomendas firmes e em curso para ultrapassar a extensão dos prazos de recebimento. Além deste, há outro problema, tão ou mais importante, que é o prazo de pagamento cada vez mais dilatado das grandes empresas nossas clientes. Nós chegamos a estar a fabricar durante dois anos, ou mais, sem receber qualquer pagamento. Ou seja, muitos fabricantes são obrigados a financiarem-se, com todas as burocracias que isso implica e a altas taxas de juro, para poderem trabalhar. No passado, bastava irmos ao banco com uma encomenda firmada para conseguirmos financiamento. Quando a empresa recebia o pagamento do cliente, esse valor era automaticamente direcionado para esse banco. Não havia a possibilidade de a empresa financiar-se num banco e depois receber por outro. Neste momento, tal não existe, apesar de ser algo pelo qual temos batalhado bastante. Aliás, está prevista para breve uma reunião com a tutela para discutir precisamente este assunto. Por outro lado, também parece ter havido uma tentativa da parte das OEMs de passar uma parte do trabalho que antes era feita por eles, nomeadamente de I&D, para o fornecedor, não é assim? Sim, sim. Atualmente, uma OEM é basicamente uma montadora. Algumas ainda fabricam os seus próprios motores, caixas de velocidades, fazem estampagem, mas a maioria subcontrata praticamente todas as peças que compõem um automóvel. No caso dos moldes e das peças plásticas, acresce que todo esse trabalho de I&D que nós fazemos não só não é
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