BA16-Agriterra

49 VITICULTURA A ilha de Santa Maria teve no dia 18 de maio os seus primeiros vinhos certificados com a Indicação Geográfica Açores. Mas não se pense que só agora a viticultura deu os seus primeiros passos nessa ilha - são quase 600 anos de uma viticultura muito diferente do habitual, realizada em condições extremas e que, apesar de algum abandono, tem conseguido persistir no tempo. Acredita-se que os primeiros bacelos tenham sido plantados ainda no século XV, com a chegada dos portugueses a esta ilha, a primeira a ser descoberta e a ser povoada no arquipélago dos Açores. A virtuosa obra “Saudades da Terra”, escrita por Gaspar Frutuoso cerca de 150 anos após o povoamento, dá-nos notas muito importantes da forma como as primeiras gerações a viver na ilha desbravaram as terras e as distribuíram. Para a cultura da vinha foram destinadas as íngremes encostas, enquanto para o trigo, essencial à sobrevivência, foram reservados os terrenos mais planos e acessíveis. A VITICULTURA HEROICA DA ILHA DE SANTA MARIA Falamos de vinhedos plantados em socalcos desde as baixas do mar até onde a encosta permitiu o seu cultivo, com uma inclinação superior a 45º e sem qualquer tipo de mecanização. Um tipo de viticultura peculiar que ainda existe em algumas partes do mundo, e que a Organização Mundial da Vinha e do Vinho definiu como Viticultura Heroica. Para além disso, as vinhas da ilha de Santa Maria conferem à paisagem uma beleza singular e fascinante. Uma mistura entre as paisagens vinhateiras do Douro e da ilha do Pico, também elas de extrema beleza e reconhecidas pela UNESCO como património mundial da humanidade. Apesar de se verificar algum abandono, São Lourenço e Maia são as baías da ilha onde a atividade vitivinícola ainda persiste e onde podemos contemplar o impressionante rendilhado em pedra basáltica que delimita cada uma das suas parcelas. Cada propriedade encontra-se alinhada longitudinalmente ao longo da vertente, de forma a que cada proprietário tenha as mesmas condições edafoclimáticas para a sua produção. Tem acesso próprio, em degraus, e é dividida pelos chamados currais ou quarteis, que são, por norma, cada um dos socalcos ou patamares onde estão plantadas as videiras e onde estas são conduzidas de forma a ficarem expostas ao sol, como se de um painel solar se tratasse. Todas as paredes que delimitam a área do terreno são contruídas com pedra basáltica e têm ainda a função de fazer o abrigo necessário às plantas, quer ao vento, quer à ressalga vinda do mar em dias de tempestade. São as chamadas “paredes de pedra seca”, que tão grande espetacularidade atribuem à paisagem, e que causam admiração a qualquer ser humano que as contemple. Atualmente estas baías vinhateiras são também zonas balneares de excelência, as antigas adegas e lagares deram lugar a casas de veraneio e as antigas veredas a trilhos para a prática de pedestrianismo. Podem-se também aqui observar alguns lagares primitivos, do tipo rupestre, únicos nos Açores e que são também prova inequívoca de que a viticultura se faz desde muito cedo. No século XIX, tal como em toda a Europa, a filoxera fez também aqui os seus estragos e foi ponto de viragem para uma nova fase da viticultura. Nos Açores foi a fase do chamado “Vinho de Cheiro”. Em substituição das castas autóctones é introduzida a casta americana “Isabella”, que no caso da ilha de Santa Maria se adaptou muito bem, sobretudo pela sua excelente exposição solar, o que lhe permitia obter graduações de álcool consideráveis. Muito desse vinho de cheiro foi inclusivamente exportado para a vizinha ilha de São Miguel, por nessa ilha não se conseguir obter essas graduações. A fase do vinho de cheiro duraria aproximadamente 130 anos, deixando mesmo uma marca indelével na cultura açoriana. A partir de meados do século XX a ilha sofre uma grande transformação. A emigração em massa para os Estados Unidos e para o Canadá, bem como a instalação na ilha de um grande aeroporto que servia a aviação que sobrevoava o Atlântico, fez com que a pouca mão de obra existente na ilha se dedicasse ao setor terciário e a agricultura entrasse em decadência. Por sua vez, o contato mais frequente com o exterior e os novos hábitos de consumo trouxeram também outras bebidas, deixando o vinho de cheiro sem qualquer valor comercial, e consequentemente as vinhas ao abandono. A prioridade foi dada às “castas nobres”, como a Touriga Nacional, Fernão Pires ou Bastardo, e, sobretudo, às “castas nobres açorianas” como o Verdelho, o Arinto dos Açores e o Terrantez do Pico

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